segunda-feira, 23 de março de 2009

CRÔNICA


O BRASIL DA SAFADEZA


Eu havia feito a mim mesmo a promessa de não mais me manifestar sobre “isso” que está acontecendo em nosso país. Não por desinteresse, porque acredito que das obrigações de todo cidadão também faz parte a de ser útil à sua terra, a de colaborar para que o futuro da nação seja risonho e franco, como diria o poeta. Também não é por medo, porque aos setenta e cinco anos de idade já esgotei o estoque dos receios, das apreensões e dos sobressaltos com que o destino pretendia complicar meu dia-a-dia. Como diria o inefável compadre João, companheiro que durante décadas batalhou comigo, ombro a ombro, na dura luta pela sobrevivência, “a gente se esforça, não é, mas que resultado se pode esperar em um jogo que está no segundo tempo da prorrogação e acaba quando o primeiro gol for feito, se no seu time só nove ainda estão se arrastando em campo?”.

Minha promessa foi feita por desencanto, por desalento, por desesperança, por escassez de motivação, ou algo parecido. Na época em que ela me pareceu ser a coisa mais sensata a fazer, tornava-se triste e lamentável perceber que muitos brasileiros, ao tomarem como exemplo o procedimento que vinha de cima, estariam prontos para se metamorfosearem em inconseqüentes, em alienados, em desonestos, em aproveitadores, em ignorantes, em safados, em bárbaros e outras coisas mais. Fazer o quê... se todo povo tem o governo que merece!... Ou vice-versa... Agora, depois que a poeira baixou e a alvorada chegou iluminando o sorriso dos amigos do rei apanhados com a mão na massa, mas apesar disso transformados em ícones dos insensatos, cresce a certeza de que a desonestidade e o mau caráter são atributos indispensáveis a quem pretende ter sucesso na vida pública do país.

Descubro, então, que pisando no meu pescoço estão os inconseqüentes, os alienados, os desonestos, etc., etc., etc., e por isso sou forçado a esquecer minha decisão de ontem. Não que isso vá alterar o rumo da barca do Caronte brasileiro no Aqueronte brasiliano - pois quem sou eu? - mas servirá, pelo menos, para apaziguar minha consciência de cidadão que tem filhos, netos e bisneta, e deseja para eles um porvir que realmente esteja por vir, e não enfiado no bolso desses malandrões que tomaram conta da bilheteria do circo. Infelizmente, não tenho mais a disposição de outrora, mas apesar de tudo, ainda me resta o recurso de levantar o dedo e pedir a palavra - única coisa que ainda não paga imposto no Brasil - para apresentar o meu protesto solitário, o que me traz à lembrança a história do sujeito que viu a casa do vizinho ser soterrada por uma grande avalanche. Ele pegou uma vasilha e começou a retirar a terra, tentando salvar os moradores soterrados, mas alguém lhe disse: - Isso não vai resolver coisa nenhuma. E o homem respondeu: - Eu sei, mas estou cumprindo o meu dever.

Alguém me disse certa vez que a ignorância é o fardo mais pesado que o homem pode carregar. E é verdade. Infelizmente, hoje a temos com fartura entre nós, e em seus dois sentidos - o da burrice e o da violência. A história universal ensina que os conquistadores, assim como os religiosos, nunca viram a cultura com bons olhos, porque o conhecimento, por menor que seja, clareia a mente humana e faz surgir o questionamento, procedimento mágico que funciona como antídoto contra as serpentes transfiguradas em lideranças populistas, aquelas que lhe dão uma esmola de dez, com a mão esquerda de cinco dedos ou menos, mas escamoteiam dez mil com sua mão direita. Por isso temos hoje quase quarenta ministérios, estrutura absurdamente escandalosa mas imprescindível, porque é por eles que escorrem as verbas fantasmas que desaparecem sem que a gente saiba o que foi feito com elas. Mas imagina... Porém, não é sobre isso que eu desejo falar aqui e agora, e sim sobre a ignorância, cujo cordão umbilical está ligado ao sistema educacional brasileiro, essa “coisa” que é motivo de riso e pilhéria para quem avalia sua performance como instrutora dos que irão pretender ingressar, mais adiante, em cursos de terceiro grau.

O Ministério da Educação divulgou em 26 de abril deste ano, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), novo indicador calculado a partir da Prova Brasil e das taxas de aprovação. Sobre ele, o jornal O Globo esclareceu que “No cálculo dos estados, que considera toda a rede pública, nenhum alcançou a nota 5. No ensino médio, 16 estados ficaram abaixo da nota média 3. Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estados que atingiram a média mais alta, não passaram de 3,5. Entre as turmas da 5ª e 8ª série do ensino fundamental, apenas Santa Catarina superou a nota 4, com a média 4,1”.
Aí vem o fanfarrão de Brasília e diz que seu governo entrará para a História se o plano que ele apresentou botar o Brasil “em pé de igualdade com qualquer país desenvolvido do mundo, na área da educação”. Isso é o que aparece nas manchetes ufanistas, porque da meta do MEC, prevendo que os alunos da 1ª à 4ª série consigam atingir a média geral 6 até 2021 (é isso mesmo, 2021), consideradas as escolas públicas e particulares, disso ninguém fala. Ou seja, a expectativa é que com bons ventos soprando, daqui a 17 anos nossos alunos consigam atingir a média 6, o que, convenhamos, não leva ninguém ao pódio da educação. Até lá, nós vamos ter que agüentar o universitário escrevendo caniço com dois esses e achando que está certo, porque o pronome “isso” é escrito dessa forma.

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